quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Maria

O último velório e enterro que eu me lembro bem foi o de vovó. Uma senhora de pele ávida e cabelos pretos com fios brancos, descansando em seu caixão também branco. Ao passo que tão fria, tão quente e viva em minhas memórias. 


Lembro também do velório de um grande amigo de escola, tão jovem e alegre. Se foi pra nunca mais.


Velórios me tiram a frieza que os dias pedem. Ver a mãe que chora um filho ou os filhos que choram a partida de um pai me causa tão intenso sofrimento que até parece que ali se vela um dos meus. 


Amo de forma tão genuína, ainda que reprimida, sofro de igual modo, genuinamente, sem que ninguém saiba. Expor as fraquezas me gera um amontoado de inseguranças e abre espaço para fragilidade. Talvez devesse ser mais transparente, mas tenho medo de afastar as pessoas, tenho medo de perder meu amor genuíno pelos desconhecidos do meu caminho.


Mas um bebê, uma pequena bebê ali, dormindo seu sono eterno em uma pequena caixa rosa cheia de flores me apavora. Sou tomada por tantos porquês que mal consigo acreditar na cena que vejo. Tantos anos sem a tristeza de uma partida que agora preciso lidar com uma partida esperada, mas desoladora. A mãe, minha prima, não reage, não parece estar ali. Um pedaço seu se foi, a alma também. Só respira.


O pai olha atento a filha. Parece querer gravar na memória, ainda que pela última vez o semblante da menina que apenas dorme, eternamente. 


A família aceita. Deus levou. Deus sabe o que faz. Nada trará de volta. Sofremos e seguimos a viver. A vida não para, por enquanto ainda não. Enquanto isso, enquanto se vive, sonhamos na possibilidade de um reencontro no amanhã. No reencontro com os que amamos e partem. 


Despedidas doem. O Adeus para alguém que nunca mais irá se ver não há descrição, muito menos remédio que cure. Parte dolorosa dessa vida. 


Até breve, pequena Maria. 

terça-feira, 29 de novembro de 2022

Paprefu.


O passado é presente no agora.
E será o futuro.
O passado um dia foi presente.
O futuro talvez será o agora.

O passado que insisti no agora, você!
O agora que pensa no passado, eu.

O futuro?
Nós.



sexta-feira, 25 de novembro de 2022

Água salgada

Choveu o mundo lá fora.

Trovejou à noite inteira.

Um clarão entrou pela leve abertura da cortina.

Lá fora um temporal

E aqui dentro além 

Mas não molha, não assusta e nem troveja.

Somente arrepia.

Caem rios dos meus olhos, 

Do seu corpo sai água salgada.

Uma garoa em nós.

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Sou eu.

Vivo em curso como o rio que corre.

E não volta.

Contra essa lei divina não há nada.

O rio, sou eu, que segue molhando

Toda essa vida. 

Seca, ressequida e morta.








domingo, 20 de novembro de 2022

No meio

Da última vez que estive contigo

Ao chegar em casa, tomei banho 

E na água e entre as lágrimas 

Chorei todos os sentimentos.

Que escorreram para o ralo.

É uma forma bonita de matar as pessoas 

Dentro de mim.




sábado, 12 de novembro de 2022

Viver o divino.


O agora é esse curto espaço de tempo
Em que vivemos.
Ou só esperamos por um futuro que não vem.
Incerta é sua chegada
Certa é a partida da vida.
Que se não vivida
Perde-se as horas
E mata o agora.
Pra sempre!



domingo, 6 de novembro de 2022

.

Domingo acabou.
Segunda é logo ali.
E eu já anseio pelo passar dos dias.
Juro que estou contando as horas
Pra te gritar no seu portão 
Ouvir a voz e o vilão 
Olhar a cicatriz acima do seu olho 
Entender seu jogo.

Você está jogando?

Por que tão ardiloso?
Destino não há de ser
Improvável pra mim.
Prefiro arriscar
Pagar o preço da dúvida.

Você sofre em silêncio?

Tantas indagações 
Esquecidas quando me perco
No castanho dos olhos
No sorriso tímido 
Na inteligência.

Você vai se arrepender?

Vai.
Sinto lhe dizer.
Quando perceber 
Já aprendi seu jogo
Já te decorei 

E já vai ser tarde
Outra vez.
Por que o tempo
Não espera
Não para
Não pensa
Segue sem pausa
E ainda que eu deseje
Pausar o tempo
Pra ficar mais um momento 
Com você.

O tempo não há de querer.